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Cinco questões sobre Teonomia

cinco questoes sobre teonomiaUm dos problemas recorrentes dentro das discussões teológicas é a falácia do espantalho. Este sofisma consiste em ignorar a posição ou explicação teológica do adversário e substituir tal posição por uma versão distorcida que representa de forma errada a posição apresentada. Esta forma de raciocínio capcioso não é apenas comum entre teólogos amadores, pelo contrário, tal prática é muito habitual entre teólogos e pastores renomados.

Alguns cometem este erro por simples desonestidade, mas outros cometem por falta de estudo. E quando digo falta de estudo, não suponho que estes teólogos amadores e veteranos são péssimos estudiosos, mas admito que eles, além de não usarem fontes primárias relevantes sobre o comentado, ignoram-nas, e acabam usando fontes secundárias problemáticas ou até mesmo distorcidas.

Para lutar contra os espatalhos teológicos feitos sobre o tema Teonomia, formulei cinco respostas simples e diretas em cima de perguntas feitas em grupos reformados.

1 – O que é Teonomia?

A palavra Teonomia é composta pelas partículas “Teo” e “Nomia”. “Teo” aponta para o termo grego “Theos” que significa, literalmente, “Deus”. E a partícula “Nomia” remete ao grego “Nomos” que, literalmente, significa “Lei”. Logo, o termo Teonomia deve ser entendido como “Lei de Deus”.

Ao contrário da Autonomia, que supõe que moral, política, filosofia, bioética e outras áreas do conhecimento são estabelecidas a partir do indivíduo, a Teonomia coloca Deus no centro e propõe glorificá-lo em todo campo de estudo humano.

A Teonomia é uma visão ética cristã que afirma que a Lei de Deus revelada na Escritura, tanto no Novo quanto Antigo Testamento, é o único padrão de autoridade, verdade e justiça.

A cosmovisão teonômica apresenta a Bíblia como o único padrão aceitável para julgar o que é correto e o que é errado em relação à realidade criada.

Toda decisão ética, em si, assume alguma autoridade ou padrão, e essa será uma lei autônoma (lei independente de Deus) ou teonômica (Lei de Deus). Por este motivo é algo extremamente equivocado legislar sem a visão teonômica. Ou melhor, ordenar ou preceituar leis a partir da autonomia coloca a opinião e o ponto de vista humano no centro; e como a comovisão humana muda segundo o curso deste mundo, toda base autônoma é como uma enorme montanha de relativismo. Este é um dos motivos que implica que todos cristãos devem adotar a visão teonômica como padrão, pois somente a Palavra do Senhor (Escritura) tem a suprema e imutável autoridade e padrão para todas as ações e atitudes de todos os homens em todas as áreas da vida.

2 – Como saber quais leis do AT devem ser consideradas para os dias de hoje e quais foram específicas para uma época ou nação?

Grande parte dos cristãos brasileiros tem dificuldade em compreender como a Lei de Deus deve ser aplicada nos dias de hoje. Uns vão dizer que apenas as leis confirmadas pelo Novo Testamento estão vigentes. Outros vão concluir que somente as leis morais continuam válidas. Infelizmente os dois grupos erram.

Para facilitar o entendimento da Lei de Deus é preciso classificar os preceitos registrados no Antigo Testamento, e a melhor classificação é:

a) A Lei Civil ou Judicial – Representa a legislação dada por Deus a Moisés com a finalidade de regular a sociedade, estabelecendo obediência externa, ordem e punição aos malfeitores.
Ex: Punição do estupro (Dt 22:25), blasfêmia contra Deus (Lv 24:14), pena de morte para prática de homossexualismo (Lv. 20:13).

b) A Lei Religiosa ou Cerimonial – Tinha a finalidade de impressionar nos homens a santidade de Deus e concentrar suas atenções no Messias prometido. Ou seja, essas leis apontavam para Cristo.
Ex: Sacerdócio levítico (Nm 18:1-7), santuário/tabernáculo terrestre (Ex 25:1-9), sacrifícios de animais (Ex 20:24).

c) A Lei Moral – Representa a vontade de Deus para o homem no que diz respeito ao seu comportamento e seus deveres principais.
Ex: Não terás outros deuses diante de mim (Ex 20:3), amarás o teu próximo como a ti mesmo (Lv 19:17-18), amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração (Dt 6:5).

Até a obra de Cristo ser consumada na cruz, estes três tipos de leis norteavam o povo de Deus de forma direta. Mas, na cruz, Cristo resignificou a Lei Cerimonial, que na Antiga Aliança apontava para o Messias.

A Lei cerimonial continha diversos ritos, costumes e cerimônias que eram somente sombras e tipos que apontavam para uma situação temporária em Israel, mas que com a vinda de Cristo se cumpriram. A única razão pela qual estes mandamentos antigos eram aceitáveis a Deus era a prometida redenção em Jesus Cristo (Hb 10:1).

Com a morte e ressurreição de Cristo, o significado das leis cerimoniais não foi anulado, mas não estamos mais sob a obrigação destas leis, pois os ritos, costumes e cerimônias se cumpriram em Cristo. A essência do rito continua conosco, mas foi abolida sua observância externa (Cl 2:10-17; Hb 8:3-6,10:1).

Logo, as leis que devem serem observadas na Nova Aliança são: Lei Moral e Lei Civil. Essas leis têm como função convencer todos os homens de serem culpados do pecado (Rm 3:20; 5:20), ensinar aqueles que são justificados pela fé em Cristo sobre o que seguir e o que evitar e também como devem cultuar a Deus (Sl 19:7-8; 119:105), e reprimir os desordeiros e refrear os ímpios, além de trazer de forma clara quais são as punições eficazes para o malfeitor (1 Tm 1:9-10).

3 – Quais seriam as maneiras de implantar a Teonomia nos dias de hoje?

Antes de responder essa questão, é necessário pontuar que a cultura evangélica brasileira é extremamente pessimista, ou seja, o pensamento cristão brasileiro é norteado pela ideia de que Jesus está às portas, ou melhor, que o arrebatamento é iminente. Logo, um cristão genuíno não deveria tentar melhorar este mundo, como se um cristão ativista fosse uma espécie de infiel que não observa a Lei de Deus e tenta mudar uma realidade que está fadada ao fracasso.

Realmente alguns posicionamentos escatológicos pregam que este mundo está caminhando para a perdição. Mesmo nessa condição, influenciar a política, a cultura e o judiciário não é algo irrelevante. Quem deseja viver em um país miserável? Mesmo sabendo que o mundo pode ruir a qualquer momento, dificilmente alguém responderá essa questão com um enorme: “SIM, EU DESEJO VIVER EM UM PAÍS MISERÁVEL”.

A igreja de hoje limita o Evangelho a poucas proposições, e não transmite uma mensagem de Boas Novas abrangente, ou que alcance todas as áreas de nossa vida. Um Evangelho que deixa de influenciar a família, a igreja, a cultura, a política, o judiciário e as nações é um Evangelho deficiente. Além do mais, as esferas citadas não existem independentemente dos indivíduos, toda instituição é influenciada pelo indivíduo, e estes indivíduos ou trazem influências a partir da verdade (Escritura) ou a partir de si mesmos (Autonomia). Logo, todos são responsáveis e devem influenciar.

A doutrina bíblica ensina que o homem foi criado com um propósito na terra e na história: dominar a terra (Gn 1:26-28). Teólogos chamam isso de Mandado de Domínio ou Mandato Cultural. O homem deve trazer a ordem de Deus para cada canto da criação e construir cada aspecto de sua cultura ou sociedade conforme os requerimentos de Deus.

Partindo deste pressuposto, a Teonomia deve ser implantada a partir da influência dos cristãos no dia-a-dia, desde a pregação do Evangelho, até a conscientização intelectual e política. O cristão deve se filiar a rádios comunitárias, ONGs, bases políticas comunitárias, política, sindicatos, organizações governamentais e toda instituição secular ou não que possa ser influenciada para que a mudança da realidade ocorra. Assim a mensagem bíblica teonômica deve nortear essa influencia cristã.

Como o apóstolo Paulo nos ensinou:

“Porque tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança. Ora, o Deus de paciência e consolação vos conceda o mesmo sentimento uns para com os outros, segundo Cristo Jesus. Para que concordes, a uma boca, glorifiqueis ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto recebei-vos uns aos outros, como também Cristo nos recebeu para glória de Deus. Digo, pois, que Jesus Cristo foi ministro da circuncisão, por causa da verdade de Deus, para que confirmassem as promessas feitas aos pais; e para que os gentios glorifiquem a Deus pela sua misericórdia, como está escrito: Portanto eu te louvarei entre os gentios, e cantarei ao teu nome. E outra vez diz: Alegrai-vos, gentios, com o seu povo. E outra vez: Louvai ao Senhor, todos os gentios, e celebrai-o todos os povos. Outra vez diz Isaías: Uma raiz em Jessé haverá, e naquele que se levantar para reger os gentios, os gentios esperarão.”
(Romanos 15:4-12)

A menos que a Igreja comece influenciar o mundo em todas as esferas, continuará a fracassar, e não haverá “discipulado” que possa salvá-la.

4 – Por que Jesus não condenou ao apedrejamento a mulher adúltera?

Jesus estava ciente daquilo que foi prescrito na Lei de Deus em relação ao adultério e em nenhum momento agiu contra aquilo que foi ensinado no Antigo Testamento, pois Cristo, de maneira nenhuma transgrediu a Lei, pelo contrário, Cristo cumpriu-a por completo (Rm 5:17-19).

Sabemos que em nenhum momento Cristo aboliu a lei registrada no Antigo Testamento (Mt 5:17-18). Mas quais foram os motivos que levaram Cristo a não apedrejar a mulher adúltera (Jo 8:1-11)?

O primeiro problema no cenário da mulher adúltera é que a Lei prescreve que, no caso de adultério, a pena de morte deveria ser aplicada ao casal adúltero (Dt 22:22), não apenas à mulher, e os fariseus trouxeram apenas a mulher para ser apedrejada. Isso constitui um erro grave para a aplicabilidade da Lei de Deus.

Além deste grave problema, na apresentação dos transgressores, a Lei de Deus prescreve que é preciso existir idoneidade das testemunhas. O transgressor da Lei não pode ser acusado por apenas uma pessoa (Dt 19:15). Também cabia às testemunhas arremessar as primeiras pedras (Dt 17:7). Quando Jesus afirma: “Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra”, ele ordena às testemunhas jogarem as pedras. Contudo, as testemunhas não atiram, e isso confirma que elas não se encaixavam no que a Lei classificava como boas testemunhas. Ou seja, não eram pessoas idôneas. Eram falsas testemunhas, e o falso testemunho implica em pena capital (Dt 19:19).

Outro problema ocorre na aplicabilidade da pena capital. Sabemos que apenas os magistrados podem aplicar a Lei (Rm 13:1-7). Logo, nem Cristo, nem os fariseus eram autoridade magistrada para aplicar a pena capital à mulher adúltera. Mesmo que todas as obrigações da Lei fossem cumpridas, apenas o governo romano poderia aplicar a pena capital.

5 – A Teonomia tenta impor uma moralidade e uma ética cristã mesmo às pessoas ímpias?

É complicado afirmar que a Teonomia impõe a moralidade, mesmo sabendo que toda lei é composta de moralidade. Mas podemos dizer que, através da influência bíblica, a Teonomia tenta influenciar o Estado, a cultura, a política e as outras áreas da sociedade com a verdade.

No cenário atual temos aquilo que podemos chamar de Humanismo, e do outro lado a Teonomia. O Humanismo coloca o homem no centro, e legisla a partir do próprio homem. Isso faz com que as leis sejam norteadas pelo coração humano corrompido, criando assim leis com meias verdades, e até leis totalmente ímpias.

Já a Teonomia tem como base uma verdade absoluta – a Escritura – e visa influenciar toda realidade com essa verdade inerrante.

A questão em si é: vamos ser norteados por leis relativas que mudam diariamente, ou a partir da imutabilidade da Lei de Deus?

Essa resposta irá definir nosso pressuposto.

As leis teonômicas não obrigam o ímpio a seguí-las, mas traz a perfeita vontade de Deus para o equilíbrio da nação, como o texto bíblico diz:

“Bem-aventurada é a nação cujo Deus é o Senhor.” (Sl 33:12)

Inclusive, um dos propósitos da Lei é refrear os ímpios (1 Tm 1:9-10). Mesmo que isso não leve à regeneração, é uma prescrição necessária para a ordem social. E sabemos que os indivíduos que temem a Lei são os homens maus, pois a Lei e as autoridades que a aplicam corrigem os maus (Rm 13:3).

Bibliografia:

www.barrabaslivre.com/2013/02/calvino-e-lei.html
www.resistireconstruir.wordpress.com/2012/09/16/a-sombra-de-cristo-na-lei-de-moises/
www.resistireconstruir.wordpress.com/2014/04/20/a-diferenca-entre-as-leis-morais-e-as-leis-civis/
www.resistireconstruir.wordpress.com/2014/04/20/o-pecado-e-os-tres-aspectos-da-lei/
www.resistireconstruir.wordpress.com/2012/10/12/ensinando-todo-o-conselho-de-deus/
www.monergismo.com/textos/politica/origem-desenvolvimento-governo–civil_demar.pdf
www.monergismo.com/textos/lei_evangelho/teonomia-mulher-adultera-pena_bahnsen.pdf
www.olharreformado.blogspot.com.br/2013/07/teonomia-conversao-e-coersao.html

Fonte: Eu e a Teologia

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